O que fazer quando a criança demora para falar?

O que fazer quando a criança demora para falar?

26/09/2016

Texto retirado de: http://ninguemcrescesozinho.com.br/

Por Adriana Fontes Melo* e Ana Paula Dias Fernandes Pacheco**

O advento da fala de um bebê é tão esperado que não é de estranhar que muitas vezes a ansiedade dos pais diante das primeiras palavras faz com que peçam a seus filhos a repetição dessas para que amigos e familiares aproveitem deste momento especial. O bebê, por sua vez, entra no jogo, ora repetindo, ora se negando a reproduzir suas novas aquisições. Essa é uma cena clássica, atual, e se repete tantas vezes que só nos damos conta de um impasse quando as palavras adquiridas vão sumindo conforme a demanda de repetição. Contudo, se os pais se dão conta e cessam a demanda, a criança retoma o curso de aprendizado, sem que esse processo seja retardado.

Ainda nesse tempo das primeiras palavras, lembramos que o bilinguismo, aquisição de mais de uma língua, naturalmente se dará em um período mais extenso; crianças com irmãos mais velhos podem falar mais cedo do que um filho único, e gêmeos criam uma linguagem própria, o que pode resultar em um menor interesse, da parte desses pequenos, em desenvolver uma fala articulada para a comunicação com os adultos.

Nos casos acima descritos, percebemos que não há interrupção no processo de aquisição da choro, que é recebido com muita alegria porque esta manifestação representa vida.  Nos momentos seguintes, o choro irá representar tantas outras coisas que aqueles que cuidam do bebê serão convocados a descobrir o que esse som enuncia, excetuando-se apenas os bebês com problemas no aparelho fonador, já que mesmo em casos de deficiência auditiva ou de surdez, o som da voz está presente (na surdez somente o aparelho auditivo está comprometido). O fonador, responsável pela capacidade em emitir sons, estará preservada e a comunicação poderá ocorrer contando apenas com estes sons, com sons e com sinais, ou apenas com os sinais.

Nesse tempo é esperado que quem escuta o bebê possa dizer-lhe algo sobre o que supõe estar sendo comunicado por meio do choro, isto é, irá verbalizar suposições sobre: fralda suja, fome, calor, frio, sono. Exemplo: Ah! Então quer dizer que você está me pedindo… está me contando… Esse diálogo dá ao choro lugar de apelo; ou seja, o choro não será mais uma mera reclamação, mas contará sobre o que o bebê sente. Não é incomum ouvirmos: …xi, chorando desse jeito, já sei que é fome! Igualmente importante, é que o banho, a mamada, a troca de fralda e os outros cuidados cotidianos sejam acompanhados de uma conversa com o bebê – eu sei que você ficou chateado por tirar a roupinha, mas agora a mamãe vai te colocar numa banheira com água quentinha – e que ela dê um tempo para que ele responda com um sorriso ou mesmo com um olhar, e continue: Você gostou? Percebo por esse sorriso que você gosta de tomar banho.

O ensaio e erro dessa fase, que permite saber sobre o choro e descobrir do que não se trata para supor uma assertiva, prepara a próxima etapa: o bebê pode apontar para o que quer. Esse caminho indica que muito antes de um bebê murmurar a primeira palavra, ele aprende as regras da linguagem e se utiliza desses códigos para se comunicar, até que as primeiras palavras surjam como resultado do que foi percebido e praticado.

O fato de que alguns bebês respondam mais rapidamente para aquilo a que foram mais estimulados, parece bem usual; que eles convoquem aquele que não está presente, parece bem natural; que eles só pronunciem o que querem se alguém não o fizer por ele, pode até parecer cruel, mas como subestimar seres tão atentos e dispostos a receber do outro os códigos da vida?

Essa pergunta tem a intenção de encorajar os pais e todos os que têm alguma forma de relação e cuidado com os bebês, a incentivar que esses pequenos peçam o que não têm à mão, ou mesmo o que querem além disso. Que desejem, demandem e que, no esforço para conseguir, sintam o prazer da conquista e possam continuar “dizendo sobre eles mesmos”.

A palavra falada é uma das possibilidades de comunicação. Entretanto, a fala não se restringe à articulação das palavras e, por ser um meio de comunicação muito expressivo, a ausência da produção de fala passou a ser um dos indicadores para uma melhor observação dos riscos no 0 a 4 meses, “quando a criança chora ou grita, a mãe sabe o que ela quer”; que entre 8 a 12 meses mãe/cuidadores “compartilham uma linguagem particular com a criança”; de 18 meses a 2 anos, como a fase em que as palavras começam a aparecer em uma velocidade surpreendente e algumas crianças já esboçam pequenas frases: “É meu!”, por exemplo. De3 anos, ela usará frases com 3 palavras, e seguirá aumentando esse repertório para expressar de modo cada vez mais preciso o que quer, contando o que fez.

Contudo, devido à complexidade da linguagem que requer da criança bom desenvolvimento orgânico (seja motor, fonador ou auditivo) e psíquico (constituição subjetiva do sujeito), essas aquisições podem ultrapassar os 3 anos de idade, necessitando de um tempo maior de amadurecimento em alguma etapa do desenvolvimento.

A percepção de que algo não caminha bem no desenvolvimento da fala, seja por situações comparativas a outras crianças (irmãos mais velhos, filhos de amigos, entre outros) ou a partir de espaços como esse, que sugerem um modo de observar, é muito importante para que se dê um encaminhamento preciso. Por isso, pais, educadores e cuidadores devem ficar atentos e solicitar a avaliação de um especialista quando: de 0 a 6 meses, se o bebê para de balbuciar; de 9 a 15 meses, se o bebê ainda não pronuncia palavras ou se, ao final de uma fase, não se consegue entender nem supor o que está sendo pronunciado e até mesmo se o surgimento de eventos como a gagueira ou outros não sumirem rapidamente.

O relato de sinais como os acima descritos e a observação durante a consulta de um especialista responderão se é o caso de intervir ou se é precipitado tratar, e nova avaliação deverá se fazer mais adiante. Pediatras e educadores são profissionais que estão em constante contato com bebês e crianças e por isso um olhar cuidadoso e atento por parte deles pode possibilitar o encaminhamento para especialistas que poderão avaliar, no caso de: alterações auditivas, fonoaudiológicas, visuais, neurológicas ou questões psíquicas.

Cuidar a tempo é a justa medida para que esse precioso momento de desenvolvimento não retarde outros tantos que estão por vir. Para a psicanálise a intervenção é considerada a tempo quando é possível perceber sinais que indicam uma dificuldade, antes mesmo que entraves impeçam ou atrasem a entrada do bebê/criança na linguagem.

Nota: Este texto foi publicado pela primeira vez em 14/06/2015 no antigo blog Ninguém Cresce Sozinho.

*Adriana Fontes Melo é Psicanalista na clínica com crianças, adolescentes e adultos, Mestre em Psicologia Escolar do Desenvolvimento Humano IP-USP, Especialista em Distúrbios Globais do Desenvolvimento IP-USP. Fez parte da equipe clínica do Lugar de Vida, aonde os atendimentos se davam a crianças com distúrbios de linguagem, transtornos globais do desenvolvimento e clínica com bebês (Núcleo de Intervenção Precoce-NIP).

**Ana Paula Dias Fernandes Pacheco é Psicanalista e integra o Programa de Formação Prática em Educação Terapêutica do Lugar de Vida. Fez Aprimoramento em Terapia Familiar (PUC-SP) e no Projeto Espaço Palavra (PUC-SP) – atendimento clínico ao autismo e à psicose, da primeira infância à idade adulta. Especialização em Psicoterapia de Crianças e Adolescentes no Centro de Pesquisa em Psicanálise e Linguagem, Pós-graduação em Psicoterapia Psicanalítica Orientada ao Trabalho na Rede Pública de Saúde Universidad de Barcelona.

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